terça-feira, 22 de junho de 2010

Vida de escritor

Gay Talese, nascido numa pequena cidade norte-americana de Nova Jersey, em 1932, filho de imigrantes italianos, é um dos criadores da expressão “novo jornalismo” - que investiga com as ferramentas de repórter e relata com os recursos literários de escritor. Até o ano de 2005, havia publicado quatro obras, entre elas a mais famosa “Fama e anonimato”, Companhia das Letras, 536 páginas, livro que reuni textos que Talese publicou após os anos 60 em revistas como Esquire e The New Yorker. Em 2006, ele termina a autobiografia Vida de escritor, Editora Companhia das Letras, 512 páginas. Segundo o jornalista Mário Sérgio Conti, autor do posfácio da obra, “Vida de Escritor foi o livro de Talese que teve pior recepção nos Estados Unidos. As restrições foram de duas ordens: ele seria um pot-pourri com restos de livros que goraram; a sua construção era forçada e frágil.” Mas por que Gay Talese quis reunir suas histórias que não alcançaram o status de livro em uma só obra? Percebe-se que não é tão simples assim.

De fato, Talese retrata suas experiências de forma sinuosa, em que relata o passado distante e o passado mais próximo de forma contínua; apenas um parágrafo separa décadas de vida. Seu dom para retratar cada ambiente, cada personalidade e até mesmo os pensamentos que tinha diante das situações, por muitas vezes deixa a obra cansativa. A impressão que se tem é que, na medida em que ia escrevendo, Talese recordava de outros acontecimentos e fazia questão de escrevê-los imediatamente.

Por exemplo, ele começa o livro falando de uma Chinesa que perdeu um pênalti no final de uma copa do mundo feminina de futebol. A partir daí, surge a idéia de entrevista-lá de uma forma diferente daquela abordada na mídia, em que apenas um parágrafo resumiria a situação. Talese queria saber o que se passava na cabeça da chinesa e como ela iria fazer para encarar sua nação na volta ao país. É uma idéia excelente! Porém ele só consegue retomar à situação no final do livro. Até lá, muitas descrições, apesar de conseguir interligar histórias totalmente diferentes de maneira hábil.

Talese consegue contar fatos importantes que na época fracassara, seja por sugestão de pauta, seja por não conseguir transformar seus textos em livros, como desejava. Essa é a grande sacada do livro. "(...) eu achava que com tantos livros de sucesso no mercado, e sobre como ficar rico, e como vencer, seria interessante ler algo sobre pessoas que talvez tenham desenvolvido um talento singular para a derrota", conta Talese.

E é verdade: qual autor renomado tem a coragem de mostrar seu lado fracassado, suas idéias que, quando criadas, em sua cabeça eram brilhantes e, no momento de apresenta-las a alguém, o não surge antes mesmo de qualquer coisa? São poucos que têm a audácia...

Apesar das suas constantes digressões, Gay conta os bastidores de acontecimentos importantes, como a marcha contra o racismo, liderada por Martin Luther King. Na época, repórter pelo New York Times, ele retrata o comportamento de uma sociedade segregacionista ao extremo, a ponto de os negros não possuírem direito a voto! Conta não só como foi a passeata, mas principalmente os impactos depois que a mídia esqueceu a cidade de Alabama, palco das reivindicações. A cidade era a mesma, ainda via-se os olhares e comportamento resignados por parte dos negros.

Esses e outros acontecimentos são relatados no livro de forma calorosa. Percebe-se na leitura que Gay tem prazer em contar seu dia-a-dia nas redações, na cobertura de acontecimentos como jornalista iniciante ou não, em descrever o outro visando sempre não só o lado conhecido por todos, mas principalmente a face humana da pessoa, seus comportamentos e predileções. O leitor que prefere caminhos alternativos, em vez da “verdade” que a maioria segue, irá se identificar com essa obra prima de Gay Talese, mesmo aquele que não goste de rodeios em volta do mesmo assunto, ao menos irá admirar a paixão que Talese tem com o ser humano, a si mesmo e, principalmente, à escrita.

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